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LEIA MULHERES ENTREVISTA ANITA BENITE, UMA DAS ESCRITORAS DA PRIMEIRA COLETÂNEA FEMINISTA NEGRA DO BRASIL

Evento

: Revista

: 25 de Agosto 2016 às 17:32 a 25 de Junho 2017

Nesta quinta-feira, 25 de agosto, mulheres e homens de Goiânia mais uma vez se encontram para ler e discutir livros de autoria feminina. O projeto #LeiaMulheres, que chegou ao Brasil em 2015, já está em sua sexta edição na cidade e busca principalmente incentivar a leitura de escritoras, que ainda enfrentam maiores restrições editoriais que os homens.

Por meio de votação no grupo virtual Leia Mulheres Goiânia – GO, internautas escolheramAlém dos quartos: coletânea erótica negra Louva Deusas como leitura do mês de agosto. São prosas e poemas de 41 escritoras, além de ilustrações de 11 desenhistas brasileiras, além de franco-marroquina e franco-sudanesa. O mote do livro: mulheres negras como donas da sua sexualidade no combate à objetificação do corpo feminino e ao racismo patriarcal. A produção do coletivo Louva Deusas é considerada a primeira coletânea feminista negra do Brasil.

Moradora de Goiânia e uma das escritoras da coletânea, Anita Navarro Benite estará presente no sexto encontro do #LeiaMulheres Goiânia. Ela é carioca, doutora em Ciências, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e há dez anos ministra cursos e palestras em várias universidades do país sobre descolonização do currículo de ciências.

Além do Louva Deusas, a ativista da cultura negra compõe os coletivos feministas Ogum’s Toques Negros, Grupo de Mulheres Negras Dandara no Cerrado e coordena o Coletivo Negro da UFG (CIATA|UFG). Ela concedeu uma entrevista para o #LeiaMulheres Goiânia, publicada aqui pela Revista Cajá. Confira:

#LEIAMULHERES: ANITA, VOCÊ É QUÍMICA. EM NOSSA ÚLTIMA CONVERSA, VOCÊ DISSE QUE É UMA ÁREA DE EXATAS NEM TÃO EXATAS ASSIM. PODE NOS EXPLICAR MELHOR?

Anita: Bem, o senso comum e até mesmo a Academia frequentemente se referem a alguns campos científicos como exatos (por exemplo a física, química e engenharia), a outros como humanos (pedagogia, psicologia, filosofia, letras) e enfim… O que seria dizer que uma ciência é exata? Que ela traz verdades objetivas. Porém a ciência, e digo aqui qualquer campo de produção de conhecimento científico, é terreno fértil de dúvidas, incertezas e perguntas. A ciência é dinâmica e está em constante experimentação. A ciência é viva e o que pode ser consenso entre a comunidade científica hoje poderá não ser amanhã, são verdades temporárias. A ciência modela o comportamento da natureza na tentativa de compreensão; esses modelos são constructos humanos (pois o cientista o é).

 

#LEIAMULHERES: SABEMOS QUE NO CONCEITO REDUCIONISTA DA SOCIEDADE, MULHERES SÃO MAIS LIGADAS À NATUREZA, ENQUANTO HOMENS MAIS LIGADOS À CIÊNCIA. A EXPERIÊNCIA EM SUA ÁREA DE ATUAÇÃO SUBVERTE TUDO ISSO. COMO É SER UMA MULHER TÃO PODEROSA EM UM AMBIENTE TÃO MACHISTA COMO A CIÊNCIA?

Anita: A ciência não tem gênero ou cor, porém a versão de ciência ensinada nas instituições escolares é uma visão deformada que se remete ao sujeito universal: o homem branco; e trata a produção científica das mulheres a partir de lugares de subalternidade. À mulher foi destinado o cuidado tal como habilidade inata e por isso as mesmas profissões que dizem respeito às formas do cuidar: a educação como missionária, a assistente social etc. Ser uma cientista é ato contra a hegemonia; e é também dizer a outras de nós que venham, que podem vir. É enfrentar intermináveis julgamentos de produtividade para habitar entre “os” cientistas.

 

#LEIAMULHERES: COMO A LITERATURA SURGIU EM SUA VIDA? E COMO ALIÁ-LA À SUA PROFISSÃO?

Anita: Eu escrevo desde pequena, sobretudo diários, bilhetes; coisas que quero falar a alguém eu treino antes escrevendo. Mas foi depois da minha experiência do roncó que eu comecei a publicar o que escrevo. [Roncó é o espaço físico sagrado onde ficam recolhidos os iniciados no candomblé]. Já a química é a ciência da transformação da matéria e toda a produção cultural da humanidade passa por estratégias de habitar, integrar e modificar o meio em que vivemos. Dessa forma não há nada mais transformador do que a escrita, o registro do símbolo máximo da abstração de parte de quem você é, pensa ou do que deseja.

 

#LEIAMULHERES: VOCÊ INTEGRA O COLETIVO LOUVA DEUSAS. QUAL VOCÊ ACREDITA SER A IMPORTÂNCIA DO COLETIVO? DE QUE MANEIRA ELE ROMPE PARADIGMAS ESTÉTICOS E LITERÁRIOS DENTRO DE UM MERCADO EDITORIAL TÃO MACHISTA E PRECONCEITUOSO?

Anita: As louva-deusas trabalham de forma livre e espontânea. Seus projetos são sustentados por meio de esforços mútuos das autoras e das doações de amantes do nosso trabalho. Acredito que nós inovamos ao tratar do universo do feminismo negro, seus contos e desenhos. São propostas audaciosas que colocam as mulheres negras como donas da palavra no combate à objetificação do corpo feminino e ao racismo patriarcal, inclusive na clausura dos círculos editorais. Somos mulheres negras na primeira pessoa do singular e no plural.

 

#LEIAMULHERES: VOCÊ TAMBÉM INTEGRA O COLETIVO OGUM’S TOQUES NEGROS. CONTE-NOS MAIS SOBRE ESSE PROJETO E COMO É SUA ATUAÇÃO NELE.

Anita: Pensar a produção literária no Brasil é tarefa complexa, pois ela exige uma dose de habilidade e invenção para ir além do simples resultado de fusão de grupos étnicos e suas tradições culturais – mito da democracia racial. É nessa empreitada que o Coletivo Artístico e Literário Ogum´s Toques Negros se coloca, articula e mobiliza. Nesse contexto não dá pra falar de atuação como ação isolada, sou parte dessa empreitada.

O projeto poético Ogum`s Toques Negros teve início no Facebook com o escritor Guellwaar. Também estamos reunidos num blog, não acadêmico; logo as publicações pessoais transcorrem sem a rigidez ou rigor científicos necessários a esse contexto, apesar de muitos/as de nós integrarem o tímido quadro de 1% de pesquisadores(as) negros(as) da academia brasileira. Também não temos compromisso com nenhuma corrente literária que não seja a literatura negra; seguimos nas mídias alternativas que encontrarmos pelo caminho.

#LEIAMULHERES: SEUS POEMAS NA COLETÂNEA ALÉM DOS QUARTOS SÃO DE TIRAR O FÔLEGO! QUAL A IMPORTÂNCIA DE SE FALAR SOBRE O SEXO? VOCÊ ACREDITA QUE A COLETÂNEA TENHA UM FATO EDUCATIVO PARA AS MULHERES QUE A LEEM?

Anita: Obrigada. Escrever, sem usar pseudônimos, sobre sexo para mim é reivindicar protagonismo e presença. É ressignificar a experiência da mulher negra que frequentemente tem seu corpo erotizado sem sua permissão e, como consequência, interditado. É tentativa de promover prazer estético nas leitoras e provocar intervenções no pensamento destas. A coletânea é lugar de subverter a lógica e projetar nossos desejos: sim, mulheres também os têm; nossos desejos por outros corpos, outros lugares e prazer. Meus poemas selecionados para Além dos Quartosquestionam o papel de homens como vítimas da sedução feminina.

#LEIAMULHERES: QUE IMPORTÂNCIA VOCÊ VÊ EM SE FALAR SOBRE SEXO NA PERSPECTIVA DA MULHER NEGRA, QUE SABEMOS SER MUITAS VEZES NEGLIGENCIADA?

Anita: É tempo de gerar, e nosso tempo, como sabiamente disse mãe Stella de Oxossi, do Ilê Axé Opô Afonjá, é agora!  Esse lugar de fala expressa uma literatura feminina que grafa a sua resistência, a sua existência.

 

Links:

Coletivo Artístico e Literário Ogum´s Toques Negros: facebook.com/OgumsToques/

Coletivo Louva Deusashttps://louvadeusas.wordpress.com/

Grupo de Mulheres Negras Dandara no Cerrado: http://mulheresnegrasdandaranocerrado.blogspot.com.br/

 

6º Encontro do #LeiaMulheres em Goiânia

Livro: Além dos quartos: coletânea erótica negra Louva Deusas, organizada por Priscila Romio

Data: 25 de agosto de 2016 (quinta-feira)

Horário: 19h30

Local: Evoé Café com Livros – Rua 9, n. 495, Setor Sul

Evento: https://www.facebook.com/events/858691577599610/

Fanpage: https://www.facebook.com/groups/543079375871158/?fref=ts

Site: http://leiamulheres.com.br