
As nossas cientistas negras
As nossas cientistas negras
Elas são minoria e passaram por episódios de discriminação, mas conquistaram respeito e reconhecimento
Concedido pela primeira vez em 1901, o Prêmio Nobel já agraciou mais de 800 pessoas, das quais apenas 15 eram negras. Nas áreas científicas, os homens representam nada menos do que 97% do total de 590 prêmios entregues até hoje, com apenas 18 atribuídos a mulheres. Em 2016 e 2017, por exemplo, nenhuma mulher foi premiada, em nenhuma categoria. Isso mostra que o Nobel é predominantemente branco e masculino, além de norte-americano e europeu, origem da maioria dos vencedores. No caso do Brasil, continuamos sem um único Nobel.
Com base no cenário que se percebe em um dos principais prêmios do mundo, é fácil entender o motivo pelo qual a edição brasileira do jornal espanhol El País publicou no ano passado uma reportagem para destacar nossas cientistas negras. Elas fazem parte de uma minoria absoluta, em todos os sentidos, e ainda assim realizam trabalhos notáveis e inspiradores em um país em que os pretos e pardos representam 54,9% da população, de acordo com dados do IBGE de 2016, mas são virtualmente ausentes no ambiente das ciências e nas universidades.
Uma das exceções citadas por El País é Sonia Guimarães, a primeira negra brasileira a conquistar um doutorado em física, obtido no Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade de Manchester, na Inglaterra, e professora no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Apaixonada por matemática desde criança, Sonia passou por episódios de racismo, sempre estudou em escolas públicas e trabalhou desde a adolescência.
Outro exemplo é a fluminense Anna Maria Canavarro Benite, professora de química na Universidade Federal de Goiás e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, uma entidade dedicada ao ensino e à pesquisa de temas de interesse da população negra do Brasil. Anita, como é conhecida, lembrou que a primeira Constituição do Brasil proibia negros de irem à escola, “sob a alegação de que eles possuíam moléstias contagiosas”. Doutora e mestra em Ciências, ela instituiu em 2009 o Coletivo Ciata - Grupo de Estudos sobre a Descolonização do Currículo de Ciências, uma de suas bandeiras na universidade.
A física gaúcha Katemari Rosa, por sua vez, explicou que desde os 8 anos de idade já sonhava em ser astrônoma, o que a levou a ingressar no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Hoje ela é mestra em ensino, filosofia e história das ciências e mestra e doutora em Science Education pela Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos. Professora na Universidade Federal da Bahia, Katemari relatou várias experiências de racismo, até mesmo em Salvador, a cidade com o maior número de negros no país, proporcionalmente: “Fui para lá a fim de fazer mestrado e me surpreendi ao perceber que no Instituto de Física havia apenas um professor negro. Foi um choque”, afirmou.
Tanto no trabalho acadêmico como nas demais atividades que desenvolvem, essas três cientistas querem, sobretudo, mostrar aos jovens negros brasileiros que é essencial se dedicar aos estudos e apegar-se aos sonhos. Se o país ainda não oferece oportunidades iguais para todos, é preciso perseguir os objetivos com obstinação ainda maior, principalmente no caso das mulheres negras. Como afirma Sonia Guimarães, “elas têm que estudar, se especializar e se tornarem altamente qualificadas, pois por serem negras tudo será muito mais difícil, portanto têm de ser as melhores”.
Confira aqui parte de uma palestra TED proferida por Sonia Guimarães, em que a cientista fala da importância da educação e conta um pouco de sua trajetória.
Em tempo: provavelmente não por acaso, a versão brasileira do jornal El País é dirigida por uma mulher, a editora-chefe Carla Jiménez.